10 de abr. de 2010

O segredo de D. Benedita

(Texto escrito após uma visita ao Lar, em Uberlândia, há alguns anos).


Dona Benedita completou 100 anos. Pequenina, pele escura, belamente enrugada. Olhos pretos e uma risada gostosa. Riso com a alma, que se parece com o meu. Ela é vaidosa, toda cheia de colares e pulseiras, tudo combinando numa harmonia de anciã. O cabelo preto, carapinha de vovó negra, tem poucos fios branquinhos, conserva a cor natural, nunca viu tinta. O lenço vermelho protege o cabelinho da Dona Benedita.
Curiosa, pergunto a ela qual o segredo para viver tanto tempo. Ela solta a risada gostosa, prima-irmã da minha. Tira o lencinho vermelho e alisa o cabelo. Olha dentro dos meus olhos e responde: - “O segredo é não esquentar a cabeça”, diz a linda velhinha, quase centenária. Poucas palavras, ditas antes de outra risada gostosa.
Fiquei pensando o resto do dia na Dona Benedita. Contei a história para os amigos que encontrei. Olhava dentro dos olhos de cada um quando ia dar a fórmula da Dona Benedita. O segredo é não esquentar a cabeça. Compartilhei muitas vezes as sábias palavras de minha nova amiga que já viveu quase três vezes a mais que eu.
Pensei que, de agora em diante, vou levar uma bolsa térmica para o trabalho, para a escola, para as visitas à minha família, para os encontros com o namorado. Quando eu estiver de cabeça quente, vou procurar um pouquinho de gelo e colocar para esfriar a cabeça. Sei que vou viver até os 100 anos, como vivo dizendo para os amigos mais chegados. A dica de Dona Benedita vai me ajudar. Se não der para usar a bolsa térmica, uma pedrinha de gelo discreta nem vai ser notada no meio daquela reunião onde todo mundo quer falar ao mesmo tempo e ninguém se entende. Um mergulho na piscina naqueles dias em que parece que o mundo está conspirando contra mim. Um banho gelado quando eu não aceitar as coisas como elas são. Nada melhor que água fria, gelo, bolsa térmica... Tssssss...
Quando algum amigo estiver de cabeça quente, vou contar a história de Dona Benedita. O segredo é esfriar a cabeça. Perto de mim sempre quero ter a lembrança da amiga centenária, que vai ajudar a me manter bem cuca fresca. Nada de fumacinha saindo do meu cocuruto.
Espero que o segredo de Dona Benedita faça sentido para mais gente. É cientificamente comprovado. Outro dia, num documentário da TV, uma cientista que fez uma pesquisa com pessoas centenárias disse que são cinco as características das pessoas que ultrapassam esta barreira: bom humor, equilíbrio entre corpo e mente, apego religioso (independente da crença), acreditar que as coisas vão dar certo e flexibilidade diante dos reveses (inclusive os que limitam o corpo e a mente). A risada da Dona Benedita me faz adivinhar que ela é uma pessoa feliz.
Pequenina e delicada, ela me fez refletir sobre outro segredo que aprendi recentemente, desta vez em um livro. Para ter sucesso em qualquer empreendimento temos que acreditar, trabalhar duro e ter paixão. Para temperar, o segredo da boa velhinha centenária: não esquentar a cabeça. Se Deus quiser e se eu aprender a não esquentar a cabeça, quem sabe a gente não se encontra daqui a 62 anos para comemorar meu centenário?

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